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Artigo em foco: Políticas públicas e municípios: inovação ou adesão?
As políticas públicas hoje, no Brasil, são mais descentralizadas do que nos anos 1980. No entanto, segundo análise de Marta Ferreira Santos Farah, professora da FGV-EAESP, os municípios, que tiveram papel essencial na inovação de políticas públicas com a redemocratização do País, têm diminuído seu protagonismo a partir dos anos 2000 e atuado mais como implementadores de programas federais.
No período da Constituição de 1988, os governos locais eram vistos como o lócus privilegiado de exercício e construção da democracia, e implantaram políticas que se opunham àquelas prevalecentes no período autoritário. A essa perspectiva, somou-se a visão de que a administração municipal poderia igualmente contribuir para a garantia de maior eficiência e efetividade à ação estatal. Assim, de acordo com Farah, “os municípios foram um verdadeiro laboratório de experiências em políticas públicas em um país que tinha tudo por reconstruir nesse campo”.
De um banco de dados com mais de oito mil iniciativas inovadoras de governos subnacionais entre 1996 e 2006, do Programa de Gestão Pública e Cidadania (parceria entre a FGV-EAESP e a Fundação Ford), 82,12% eram municipais. Esse movimento, porém, não se distribuiu de maneira homogênea pelo País e entre os municípios de diferentes portes: havia uma desigualdade regional, com uma presença relativa maior de municípios do Sudeste e do Sul e de municípios de maior porte.
Diminuir a desigualdade regional e entre municípios no processo de descentralização de políticas públicas – refletida na capacidade desigual de promover inovações - foi uma das principais justificativas para o esforço recente de coordenação federativa por parte do governo federal, de acordo com Farah. Não apenas o governo federal passou a dar as orientações gerais das políticas, como também começou a direcionar o “como fazer”, por meio da criação de programas federais em diversas áreas, aos quais os municípios são incentivados a aderir,. Tal adesão é condicionada, porém, ao cumprimento de um conjunto abrangente e detalhado de requisitos. De 2008 a 2011, o número de programas federais “destinados aos municípios” aumentou de 186 para 216.
Farah nota que muitos desses programas federais tiveram como inspiração as iniciativas locais pioneiras pós-democratização. Um exemplo é o Programa de Saúde da Família, que teve influência de ações municipais de Niterói e Londrina. Outro é o do Bolsa Escola (que deu origem ao Bolsa Família), que havia sido implantado no Distrito Federal e em Campinas.
Segundo a pesquisadora, depois de um período de “incubação”, determinadas iniciativas acabaram alçadas a políticas ou programas federais, de modo a alcançar o desafio de atingir mais de 5.500 municípios de todas as regiões do País. No caso do Programa de Saúde da Família, um ano depois de sua transformação em programa federal (1995), 150 municípios já o haviam adotado – número que chegou a 5.284 em agosto de 2011. A disseminação mais extrema ocorreu com o Bolsa Escola: um ano após a criação do programa federal (2002), 5.545 municípios (99,7% de todos os municípios do Brasil) já haviam aderido ao programa.
De acordo com a professora da FGV-EAESP, os programas federais chegam aos municípios com um conteúdo e uma forma de intervenção definidos de antemão, e, em geral, com prescrições bastante estritas. O acesso aos recursos fica condicionado ao cumprimento, pelos municípios, das regras de cada programa. Assim, o governo federal passa a dirigir a ação dos governos locais e a padronizar a ação municipal.
Para Farah, essa redefinição da participação do município no “sistema de políticas públicas” envolve potencialidades e riscos. “De um lado, pode-se caminhar no sentido de um fortalecimento do papel de indução e normatização das políticas pelo governo federal, sob o argumento de que essa via garantirá a redução de desigualdades inter-regionais e intermunicipais”, afirma a pesquisadora. “Por outro lado, corre-se o risco de instaurar um padrão de formulação e implementação de políticas do tipo top down, em que tudo é decidido e prescrito na fase de formulação, o que contraria os princípios que orientaram a democratização e a descentralização, além de inibir respostas criativas locais”.
O ideal, para a pesquisadora, é uma coordenação federativa que estabeleça relações não hierarquizadas e cooperativas entre os entes federados. Há várias iniciativas em que governos subnacionais participam da formulação de programas federais por meio de diferentes fóruns (como pactos e conferências). Estender o princípio da discussão e da negociação à etapa de implementação das políticas e programas é um desafio considerável – em um cenário marcado por grande heterogeneidade entre os municípios e sem que isso implique interrupção e descontinuidade de serviços. “Mas apenas a adoção dessa perspectiva permitirá reconhecer e valorizar a capacidade criativa de governos e atores locais, que pode inspirar tanto novas políticas como reformulações de políticas e programas em andamento”, conclui a professora da FGV-EAESP.
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