O Consumidor Ambientalmente Responsável: da Produção da Culpa à Compra da Redenção

Autor(es): 

Isleide Arruda Fontenelle

Ano: 

2011

Artigo em foco: The Environmentally Responsible Consumer in the Business Media: the Production of Guilt and Redemption as Merchandise
 
No século 21, o discurso ambiental incorporou com destaque o tema do consumo como forma de lidar com a ideia de uma crise apocalíptica. Ao mesmo tempo em que empresas foram exortadas a praticar a responsabilidade social corporativa, os consumidores foram exortados a pensar nas suas escolhas de compra.
 
Essa caracterização do consumidor responsável contém uma diferença essencial em relação aos movimentos ambientais tradicionais: o consumidor deixa de fazer parte de um ente coletivo e político e passa a ser considerado a partir do seu poder individual e soberano de atribuir valor às estratégias de negócios das empresas alinhadas com esse conceito de responsabilidade.
 
Porém, ao mesmo tempo em que uma pessoa tem a expectativa do poder individual, deve lidar com a incerteza dos resultados. Ela fica com a sensação de não saber o que é a coisa certa a fazer. Ao receber a incumbência de tomar as decisões certas, o indivíduo depara-se, portanto, também com sentimentos de dúvida e culpa. Qual a solução para essa angústia?
 
Para compreender como a figura do consumidor ambientalmente responsável foi construída e como as ambiguidades decorrentes foram resolvidas, a professora da FGV-EAESP Isleide Fontenelle analisou reportagens publicadas entre 1996 e 2007 sobre o assunto, em duas revistas influentes, uma no Brasil (Exame) e outro no mundo (The Economist).
 
Há estudos que mostram que os meios de comunicação têm tido um papel primordial na construção do conceito do consumidor consciente. Na área de negócios, especialmente, a mídia também reflete práticas organizacionais e de marketing. Segundo Fontenelle, os meios de comunicação fazem ainda mais: não só funcionam como um espelho do mundo corporativo como reconstroem significados e influenciam como deve ser a vida corporativa.
 
Ao analisar as duas revistas, Fontenelle mostra que a questão do consumidor responsável começa com a produção de culpa – para que, então, o mercado seja capaz de produzir redenção como mercadoria. Diante de um cenário do fim da espécie humana por conta do hiper-consumismo, o sentimento de culpa surge e logo se transforma a partir da lógica de que é possível continuar consumindo, desde se opte por empresas ambientalmente responsáveis. Sua única responsabilidade é fazer a escolha de marcas e produtos que neutralizem sua pegada ecológica.
 
Com essas narrativas que consideram unicamente o plano individual, a escolha de determinas empresas garante que o consumo de cada um não leve à extinção de todos.
Ou seja, o consumidor responsável construído pela mídia é solitário, mas bem informado, pois sabe o que exigir das empresas.
 
Outros atores que fazem parte do contexto, como governo e movimentos ambientais, são desqualificados, enquanto as empresas ocupam papel central e preponderantemente positivo. O discurso claramente indica que o caminho para o consumo responsável não envolve conflitos ou protestos políticos. Para Fontenelle, a construção desse discurso permite preservar o status quo das empresas diante do desafio de um cenário de natureza em xeque. A crise ambiental é inclusive vista pela mídia como uma oportunidade para os negócios, e as possibilidades para o empreendedorismo são enfatizadas.
 
O campo de marketing, que foi constituído no século 20 pela cultura do consumo sem limites, encontra sua redenção a partir desse discurso, analisa Fontenelle, e pode ser reelaborado a partir da perspectiva conjunta de produção e consumo responsável.
 
Para a pesquisadora, o novo discurso é uma reação conservadora dentro do liberalismo econômico. O homem age sozinho, sim, mas não pode só pensar nos seus interesses egoístas. Precisa se sacrificar em nome do bem comum. “Há assim um retorno a um universo da proibição social e da culpa que parecia banida de uma sociedade que havia rompido com quase todos os limites sociais”, indica Fontenelle. Nessa cruzada moral de ‘conversão de almas’, o indivíduo autônomo e a prosperidade econômica são priorizados, pois pela perspectiva liberal essa perspectiva levará uma sociedade generosa. “A construção da imagem do consumidor responsável fundiu o discurso liberal da soberania com o discurso teológico dos sentimentos morais”, afirma Fontenelle.
 
Entre em contato com a professora Isleide Arruda Fontenelle.
 
Conheça as pesquisas realizadas pela professora Isleide Arruda Fontenelle.