Mudando a Relação Assimétrica entre Pequenos Agricultores e Grandes Indústrias

Autor(es): 

Zilma Borges de Souza, Mario Aquino Alves e Marco Antônio Carvalho Teixeira

Ano: 

2013

Artigo em foco: Desenvolvimento Rural Sustentável e Integração Produtiva da Agricultura Familiar: Contribuições da Gestão Social para a Coprodução do Bem Público
 
Até que ponto a integração de agricultores familiares a cadeias agroindustriais beneficia os pequenos proprietários de terra? Essa questão norteou um estudo realizado pelos professores da FGV-EAESP Zilma Borges de Souza, Mario Aquino Alves e Marco Antônio Carvalho Teixeira, no município de Tupandi, que se destaca no Rio Grande do Sul pela produção de aves e suínos.
 
A cidade foi selecionada para a pesquisa por contar com uma política pública continuada de apoio à agricultura familiar. O Fundo de Desenvolvimento Agrícola do município (Fundat), criado em 1993, foi essencial para a introdução do sistema de integração produtiva com empresas de grande porte. Como as propriedades de Tupandi, em média de 10 hectares, situam-se em terreno rochoso e em declive, a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente considerou que a avicultura e a suinocultura poderiam ser uma solução para o uso do solo. Então, optou-se por financiar a terraplanagem e o fornecimento de telhas para instalação de aviários e pocilgas.
 
Como a indústria faz uma série de exigências e não financia os produtores, o financiamento público é a única forma de viabilizar os pequenos proprietários. Além do Fundat, que é municipal, os pequenos proprietários contam com o crédito federal do Pronaf. Calcula-se em 200 mil reais o custo médio de construção e automação de um aviário, valor que torna impossível a participação de produtores mais pobres.
 
Com o estudo de campo, os autores da pesquisa chegaram à conclusão de que, apesar de a integração produtiva permitir o aumento de renda dos agricultores e o desenvolvimento do município, está longe de existir uma relação equilibrada entre as partes da cadeia produtiva. Mesmo com os pequenos proprietários contando com o apoio de vários agentes sociais, como a prefeitura, os sindicatos, as cooperativas de crédito e os bancos, é a indústria que estabelece as regras (inflexíveis) de negociação.
 
Assim, os agricultores suportam sozinhos os riscos da atividade. Quando há morte de animais em sua propriedade, eles é que arcam com o prejuízo. Nas entrevistas da pesquisa, eles não souberam responder exatamente qual a quantidade de animais que entram e saem das suas propriedades. Desse modo, acabam sendo remunerados conforme o que é informado pelas indústrias, ficando vulneráveis às informações por elas disponibilizadas acerca de sua própria produção.
 
Antes da integração às grandes indústrias, os proprietários mantinham a produção em pequena escala de frangos e suínos, por meio de modos mais tradicionais de manejo. Mas, com a fabricação em larga escala, que pode chegar a 25 mil frangos em um único aviário e a 500 suínos em apenas uma pocilga, o trabalho torna-se exaustivo. No inverno, um dos produtores relatou que precisa repor a lenha nos fornos a cada três horas para manter os aviários aquecidos. Há auditorias frequentes de técnicos da indústria. As regras e o controle impõem um modo de produção bem diferente daqueles repassados de pais para filhos há gerações.
 
Os produtores também ficam muito dependentes de uma ou duas grandes empresas. Em 2009, com a crise de uma indústria multinacional de frangos, alguns proprietários passaram meses sem produzir. O quadro só foi revertido com o arrendamento por 10 anos das plantas industriais dessa empresa por outra, que retomou as relações de integração, mas sem se responsabilizar pelas dívidas e prejuízos causados aos produtores durante o período. Durante essa crise, muitos produtores só sobreviveram porque tinham alternativas de produção e pelo fato de parte da família desenvolver atividades não agrícolas.
 
Na análise de Souza, Alves e Teixeira, essas múltiplas atividades são uma forma de reduzir a dependência dos produtores. Entretanto, além de apoiar a diversificação, os agentes locais devem tomar outras atitudes para alterar a relação assimétrica estabelecida. Para que o desenvolvimento seja de fato sustentável, os autores propõem o que chamam de gestão social – em contraposição à gestão estratégica. Trata-se de uma estratégia de produção em redes e parcerias, em que as soluções sejam compartilhadas e todos os atores possam também ser responsabilizados. Nessa lógica, as tarefas desempenhadas pelos agricultores não se resumem a funções apenas produtivas ou mercantis, decidindo também sobre como os recursos naturais são empregados e de que forma os territórios são ocupados.
 
Entre em contato com a professora Zilma Borges de Souza
 
Conheça as pesquisas realizadas pela professora Zilma Borges de Souza