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Artigo em Foco: Ética na Pesquisa Científica
Diversas questões éticas e morais vêm surgindo no campo da ciência. Para lidar com elas, têm sido produzidos diversos códigos de conduta. Somente em 2011, no Brasil, foram publicados o Código de Boas Práticas Científicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o relatório e recomendações da Comissão de Integridade de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNPq) e a consulta pública sobre a revisão da Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, que trata da ética em pesquisa em seres humanos.
Para Peter Kevin Spink, professor da FGV-EAESP, trata-se de um sinal de que pesquisadores, gestores, editores, usuários e financiadores da ciência chegaram à conclusão de que a caótica cultura democrática e coletiva que sustentava as diferentes comunidades científicas e garantia a circulação do saber está com sérias dificuldades de enfrentar os desafios de “como fazer”, “como comunicar” e “os limites do que dizer” nas pesquisas.
O primeiro aspecto, do “como fazer”, diz Spink, em artigo publicado na revista GVexecutivo, decorre da crescente subordinação de áreas científicas a poderosos grupos econômicos privados. Ele cita alguns fatores que vêm levando a uma preocupação ética crescente: biopirataria, uso de populações vulneráveis para ensaios clínicos, reformatação de resultados para facilitar a corrida do laboratório para o mercado e abuso da linguagem científica para apoiar propostas de base ideológica.
Ligado ao primeiro desafio, surge o segundo: “como comunicar”. Os pesquisadores sentem dificuldade em lidar, de maneira séria e responsável, com as pressões por captação de recursos e posições acadêmicas, em um cenário no qual impera a busca do aumento da produção acadêmica. Para Spink, a cobrança por resultados é salutar. A questão é como tal cobrança é realizada. Há uma tendência de medir a produtividade pela quantidade de publicações em revistas e editoras de excelência, que, por sua vez, competem entre si em termos de fator de impacto. “A quase inevitável consequência tem sido um aumento de publicações compartilhadas entre múltiplos autores, programas de pesquisa cujos resultados são fatiados em múltiplos artigos e exemplos crescentes de plágio e autoplágio”, afirma Spink.
O terceiro desafio está relacionado aos “limites do que dizer”. Para o professor da FGV-EAESP, expressões como “a ciência nos mostra que...”, presentes, por exemplo, nas páginas dos jornais diários, induzem os leitores a aceitar que a ciência ocupa lugar privilegiado no direcionamento de decisões e recursos públicos. Entretanto, de acordo com Spink, as comunidades científicas têm a responsabilidade, perante a sociedade, de frisar os limites de suas certezas. Ele coloca a seguinte questão para reflexão: “Sobre o que e até onde as ciências podem ou devem opinar?”.
Códigos de ética podem lidar com essas questões, na visão de Spink, mas sempre parcialmente. A ética e a moral, diz ele, são dinâmicas, partes fundadoras e componentes ativos da vida social. Os documentos que vêm sendo criados para lidar com os dilemas acima mencionados são versões e posições sobre a ciência. De qualquer forma, a instauração de regras não necessariamente implica adotarem-se práticas éticas.
Spink indica, ainda, um quarto desafio: “O que investigar?”. A argumentação predominante é a que cada investigador deve ter liberdade de seguir seu próprio interesse. Porém, nem sempre isso ocorre. Em tempos de guerra, quando as ciências se envolvem ativamente nas questões de defesa nacional, esse princípio é frequentemente suspenso. Por outro lado, quando os pesquisadores têm liberdade e usam-na para o avanço da sociedade, o resultado é uma contribuição significativa. Como ocorreu na década de 1980, com a mobilização em torno do HIV/AIDS, uma demonstração, segundo Spink, de que “é possível articular a competência e o protagonismo das ciências e dos demais saberes de maneira democrática para assumir a responsabilidade moral de atender os interesses coletivos”.
Em suma, afirma o pesquisador, a ética na pesquisa científica não pode se reduzir ao “como fazer”, “como comunicar” e “aos limites do que dizer”. A questão primordial é estar atento ao que será investigado e para quem. “Se não, corremos o risco de ter uma ciência corretíssima – com procedimentos auditados, códigos de publicação e manuais de melhores práticas –, mas moralmente irresponsável.”
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