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Artigo em foco: Administração Pública e Políticas Públicas
A administração pública, como área de formação e como campo de estudos, constituiu-se tendo como objetivo a preparação de servidores públicos, há mais de um século, nos Estados Unidos. Em princípio, a ênfase foi na ciência da gestão, a partir de princípios gerais considerados válidos para qualquer organização, fosse ela pública ou privada. A especificidade e a complexidade do espaço público só começaram a ser contempladas a partir dos anos 1950, para, recentemente, abarcar as novas fronteiras que incluem organizações não governamentais e instituições privadas voltadas à inclusão dos cidadãos no processo de formulação, implementação e controle das políticas públicas.
Partindo da evolução do campo de estudos em administração pública nos Estados Unidos, Marta Ferreira Santos Farah, coordenadora do curso de mestrado e doutorado em administração pública e governo da FGV-EAESP, identifica as particularidades e desafios no desenvolvimento do campo de estudos de administração pública no Brasil.
Como ocorreu nos Estados, a disciplina administração pública no Brasil teve seu início associado ao objetivo de formar servidores para a administração pública moderna, a partir dos anos 1930. As ações faziam parte do contexto de reforma do Estado Novo, que teve como propósito instaurar no país um serviço governamental baseado no mérito e na impessoalidade que viesse a se contrapor às características patrimonialistas até então prevalecentes.
Essa administração moderna era parte de um projeto mais abrangente para o país, um projeto nacional e desenvolvimentista, no qual o Estado assumia um papel central. Podem ser considerados marcos iniciais da constituição da administração pública, no Brasil, a criação da Revista do Serviço Público, em 1937, e a fundação do Departamento de Administração do Setor Público (DASP), em 1938.
Como um desdobramento deste mesmo projeto, foi fundada, em 1944, no Rio de Janeiro, a Fundação Getulio Vargas (FGV). A presidência da Fundação foi assumida, não por acaso, pelo antigo diretor do DASP, Luiz Simões Lopes, assinalando a continuidade de perspectiva em relação à administração pública.
Em 1953, foi criada no âmbito da FGV a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), a qual contou desde seu início com o suporte de professores norte-americanos. Essa parceria entre Brasil e Estados Unidos foi base para a criação de cursos em universidades federais de outros Estados, como Bahia e Rio Grande do Sul.
De acordo com Farah, a disciplina administração pública constituiu-se assim, no Brasil, à imagem e semelhança da administração pública norte-americana, mas com uma especificidade: “tratava-se de um país pobre, e, na visão então hegemônica, atrasado, sendo prioritárias ações para seu desenvolvimento.” Assim, ao lado do paradigma que separava administração e política, a formação em administração pública incorporou no Brasil, nos anos JK, a orientação para o desenvolvimento.
A incorporação do estudo de políticas públicas pela Administração Pública no Brasil ocorreu na mesma época em que ocorria nos Estados Unidos, no final dos anos 1960. Encabeçada pela EBAP, tal mudança teve como ênfase estudos setoriais, numa abordagem que permitisse identificar objetivos das políticas, atores envolvidos, processo decisório e beneficiários, e caracterizar o processo de disputa na agenda governamental.
As pesquisas sobre políticas públicas, entretanto, foram incipientes, pois no Brasil seu desenvolvimento ocorreu na vigência de um regime autoritário. O contexto também afetou as fontes de financiamento da área. A Fundação Ford, uma das principais fontes, reorientou seus recursos para a área de ciências sociais. Somente a partir dos anos 1980, no contexto do processo de democratização, as questões relativas às políticas públicas passam a ser incorporadas nos estudos e nos cursos de administração pública, com discussões sobre legitimidade, controle, participação, equidade e efetividade.
Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil a formação em administração pública desenvolveu-se em instituições voltadas ao ensino de administração de empresas, enfatizando-se a “ciência administrativa” como um núcleo comum, o que reintroduziu a separação entre gestão e política e diluiu a identidade da formação em administração pública. Somente nos anos 1990 começou-se a estudar os desafios das políticas pós-democratização, não só no âmbito federal como no local. Entre 1998 e 2008, o número de trabalhos inscritos na área temática de administração pública nos encontros de administração aumentou em mais de 300%, cerca do dobro do verificado para o conjunto da área de administração.
A administração pública como um campo disciplinar, que envolve ciência política, administração, economia, sociologia e psicologia social, e que inclui o estudo de políticas públicas, ainda está para se desenvolver, segundo Farah. Os novos cursos que surgem no Brasil, no nível de graduação e de pós-graduação já consideram essa interconexão de disciplinas, incorporam o eixo das políticas públicas e se preocupam em garantir a preservação da identidade da área, a qual supõe o reconhecimento da articulação entre administração e política.
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