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Artigo em Foco: Oligarquia e Processos de Oligarquização: O Aporte de Michels à Análise Política Contemporânea
O termo oligarquia é, hoje, utilizado com pouco rigor, não apenas em notícias de jornais como também no meio acadêmico. Há pesquisadores que designam grupos tradicionais que dominam determinas regiões como “oligárquicos”. Outros dizem que oligarcas são grupos de ricos. E, ainda, há quem associe, pura e simplesmente, a oligarquização com a direita partidária.
De acordo com Cláudio Gonçalves Couto, professor da FGV-EAESP, essa falta de precisão faz com que o termo oligarquia torne-se mais um adjetivo usado de acordo com o desejo de cada autor do que um conceito que pode servir de instrumento para a reflexão teórica e para a pesquisa empírica nas ciências sociais.
Ao refletir sobre os trabalhos dos principais estudiosos do tema, Couto elaborou uma definição da oligarquia: “Um regime organizacional no qual os indivíduos que detêm postos de comando conseguem agir continuamente de forma não subordinada aos princípios de legitimidade vigentes, pois não são controláveis pelos demais membros da coletividade organizada, podendo assim dirigi-la de modo a favorecer seus próprios objetivos em detrimento do que desejam os demais e/ou do que são os princípios legítimos de funcionamento da organização”.
No artigo “Oligarquia e processos de oligarquização: o aporte de Michels à análise política contemporânea”, publicado na Revista de Sociologia e Política, Couto destrincha o conceito e mostra como ele pode aparecer em organizações tão diversas como as estruturas do aparelho governamental, partidos políticos, sindicatos, universidades, clubes esportivos e comunidades religiosas.
O “agir continuamente” é uma parte importante da definição. Para Couto, quando os líderes atuam de maneira contrária aos princípios da coletividade apenas esporadicamente, não se pode afirmar que o regime é oligárquico. “É necessário que esta liderança irresponsável seja institucionalizada, isto é, caracterize uma situação inerente à própria estrutura da organização, embora destoante de seus propósitos legítimos”, afirma o professor.
Sobre o processo de oligarquização, Couto apoia-se no trabalho de Robert Michels, “Sociologia dos partidos políticos”. A origem das oligarquias está na complexidade da vida coletiva, que requer uma divisão de trabalho em que acontece a delegação, a alguns indivíduos, do poder de decidir por outros. Não só: também são entregues a alguns indivíduos os recursos organizacionais que permitirão que eles tomem as decisões. Com isso, abre-se a possibilidade de que os delegados extrapolem a delegação recebida e utilizem a organização em proveito próprio.
A organização, deixando de buscar os fins para os quais foi criada ou aqueles desejados pela maioria de seus membros, passa a buscar outras metas, estabelecidas por seus líderes, à revelia do mandato recebido e da vontade dos demais. A busca por fins distintos daqueles desejados pelos membros acaba sendo antes uma consequência do processo de oligarquização do que uma causa dele, argumenta Couto.
Adicionalmente, as autoridades com poder decisório agem de modo consideravelmente livre de controles efetivos por parte dos que são objeto de suas decisões. Quem se insurge contra decisões ilegítimas corre alto risco, pois afronta a estrutura de poder e as preferências dos membros do grupo que dispõe de poder decisório – insolência que dificilmente fica impune. Numa situação kafkiana, é punido quem requer o respeito às regras legítimas.
Na forma extrema, seriam oligárquicas organizações nas quais (a) pessoas sem autoridade para decidir decidem (b) para além do que seria aceitável fazer e (c) lançando mão de procedimentos inaceitáveis. Analisando parcimoniosamente, oligárquicas seriam organizações nas quais ao menos uma dessas três condições de exercício ilegítimo do poder fosse satisfeita.
É fácil imaginar uma oligarquia funcionando num sistema democrático: uma minoria entrincheirada tomando decisões que ferem os interesses da maioria. Couto procura mostrar que o conceito de oligarquia pode ser utilizado em várias outras situações, como em uma instituição pretensamente meritocrática. Supostamente, essa instituição balizaria suas decisões no merecimento funcional de seus membros. Entretanto, uma meritocracia pode ser oligarquizada quando o critério de mérito ceder espaço ao favorecimento dos interesses da minoria nas posições de comando. Benefícios acabam por ser concedidos aos protegidos dos oligarcas, e não aos que se mostram mais competentes.
Segundo Couto, o desenvolvimento conceitual da oligarquia permite que estudos empíricos sejam realizados em diversas organizações, para compreender melhor os mecanismos que conduzem à conversão de elites dirigentes em grupos de oligarcas.
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