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Artigo em foco: Estudos de Políticas Públicas a partir de Narrativas: o Caso do Processo de Elaboração do Programa de Revitalização e Desenvolvimento da Região Central Histórica de Santos
No início do século XX, Santos viveu sua belle époque. Com o fim do ciclo do café, entretanto, a paisagem econômica, social e cultural da cidade foi se transformando, e o centro, símbolo dos tempos áureos, acabou abandonado. Até que, ao final do mesmo século, surgiu, da união entre governos municipais e empresários, o Alegra Centro, uma iniciativa vitoriosa de revitalização. Mas será que a história de Santos é uma saga na qual os heróis do Alegra Centro terminam glorificados?
Em artigo publicado nos Cadernos Gestão Pública e Cidadania, Lúcio Nagib Bittencourt, doutorando em Administração Pública na FGV-EAESP, e Isleide Arruda Fontenelle, professora da FGV-EAESP, mostram que essa narrativa não é consensual. Ao dar voz a diferentes atores envolvidos na política pública do Alegra Centro, os pesquisadores descobriram que a história pode ser contada de diferentes maneiras, inconsistentes umas em relação às outras.
Há visões diferentes, por exemplo, sobre quando se iniciou o processo de revitalização do centro de Santos. Para alguns, foi em 1989, com a regulamentação de uma subzona de interesse histórico e cultural na região que previa isenção de IPTU para imóveis ali localizados. Para outros, foi em 1998, com a revisão do Plano Diretor. Já para os empresários, o processo teve início em 1994, quando eles criaram a Associação Centro Vivo.
As questões tornam-se ainda mais contraditórias quando os atores citam as razões para o Alegra Centro. Ora destacam-se a proteção do patrimônio histórico local e o estímulo à criação de empregos, ora o fator essencial é a revalorização imobiliária.
Nas narrativas que citam o ano de 1989 como o início do processo, surge a referência à participação de sindicatos e de sociedades de melhoramento dos bairros. Nas que têm como marco o ano de 1998, a participação da sociedade civil dá-se por meio de reuniões em conselhos municipais. Em ambas, o protagonismo é claramente reservado ao governo local. Nas narrativas que citam o ano de 1994 como o início do processo, obviamente, são os empresários que impulsionaram o movimento de revitalização. Já membros de cortiços reclamam por terem ficado à margem do processo.
Entretanto, um símbolo surge como consensual para unir os atores envolvidos na revitalização do centro de Santos: o bonde. A volta do bonde às ruas de Santos é reconhecida por todos como resultado das intervenções no centro. Assim, o bonde ganha outro sentido, passando a ser um personagem que conecta o presente ao passado. “Trata-se de um forte indicativo de que o processo de elaboração da política de revitalização do centro envolve também a mobilização e valorização de pontos específicos da cultura local, sejam eles o patrimônio arquitetônico, a história, a memória ou a identidade”, avaliam Bittencourt e Fontenelle.
Os autores defendem uma análise de micronarrativas de políticas públicas, como a realizada nesse estudo, como forma de ampliar a noção de público nos processos de elaboração das políticas públicas. Ao dar voz a diferentes atores, percebe-se que dificilmente se acredita no chavão “ampla participação da sociedade civil”. Constata-se também que a avaliação de uma política raramente é consensual, como a narrativa faz supor. “É necessário ampliar o debate para a participação de diferentes atores, grupos sociais ou cidadãos, propiciando o encontro entre os diferentes nessas dinâmicas, tornando-as plurais”, concluem os autores do artigo.
Entre em contato com a professora Isleide Arruda Fontenelle
Conheça as pesquisas realizadas pela professora Isleide Arruda Fontenelle